Nos bairros que não têm gás de cozinha encanado cada manhã os moradores ouvem uma musiquinha bem alta e estranha para os quem não a conhecem, mas sempre a mesma - a "música do camião de gás". Para mim ela servia de despertador nas manhãs preguiçosas quando eu não tinha de acordar cedo. O camião passava muito devagar pela rua, e até que o som se calasse eu estava a ouvir a melodia, que me parecia um convite amável ao dia. Depois deparei com uma outra música, muito parecida, e soube, que grandes companhias de gás tinham uma determinante.
Caminhões mais simples não compunham uma melodia, mas compravam uma caixa musical que já tinha uma programada. É a essas caixas que se deve a popularidade no Brasil de uma peça de Beethoven "Para Elisa". Todos a reconhecem como a "música do camião de gás" mas poucos sabem da autoria.
Porém os caminhões não foram os únicos. Estabeleceu-se uma tradição, que deve ser muito antiga, de vendedores ambulantes terem o seu barulhinho que os identifica facilmente. É muito prático na praia – sem gritar o nome da sua mercadoria um vendedor não perturba o sossego e paz das pessoas, que sem abrir os olhos sabem o que lhes está a ser proposto.
O vendedor de churros, por exemplo, tem uma prancha de madeira que ele vira e assim faz bater nela um pedaço de ferro, criando um barulho rítmico específico de churro, avisando os fregueses da sua chegada. O som de algodão doce é buzina. Há quem use reco-reco, um insrtumento executado por atrito e originalmente usado para acompanhamento de numerosas danças.
Diz-se que o brasileiro nasce dançando, mas eu acrecentaria – fazendo qualquer percussão. É tão comum que as pessoas quase não notam, já que para mim, confesso, foi cansativo.
Fazer barulhinho tornou-se a unica forma de atrair a atenção depois de uma lei ter sido promulgada recentemente proibindo gritar nas feiras. Também interditou actividades ao ar livre (música e mesas na esplanada, pessoas alegres a andar de um bar para um outro) e assim acabou com a vida nocturna da Vila Madalena, um bairro de São Paulo, “homólogo” do Bairro Alto em Lisboa. Estranhamente, o motivo foi as queixas por causa do barulho.